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quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A ilustre vinda da menina messias

Por: Lucas Eliel

  Era uma noite morna em que a lua e as estrelas não podiam penetrar naquela casa pequenina que, trancafiada, respirava o ar de seus incontáveis e desconhecidos moradores.
  A casa era um enigma para a vizinhança. Com o progresso irreversível do vilarejo, essa foi ficando, dia-a-dia, comprimida entre os vizinhos. Atesto que era extremamente diferente das demais, de aspecto arquitetonicamente jamais visto.
  Foi aí que veio ao mundo, no interior de um dos quartos, uma menina definitivamente sem igual. A parteira, diga-se de passagem, foi quem informou: “essa parece que foi feita fora”.
  Sobre o telhado da casa, alguma estrela-guia deve ter anunciado o novo nascimento, na perspectiva de que sua chegada seria, para parte de seus moradores, nada menos do que o cumprimento de uma profecia messiânica.
  Antes mesmo de engatinhar, ela já dava gritinhos revolucionários, que quebravam a lei do silêncio severo estabelecido pelo pai de família, um senhor rigoroso, para quem o barulho era uma desordem inadmissível.
  Assim, terrível e maravilhosamente foi crescendo e estranhando tudo. Simplesmente não se habituava às regras da casa que, entre as peculiaridades, estranhamente tinha portas em eterno desuso. Era um absurdo: portas trancadas a ferrolhos pesados, cadeados enormes, trancas invioláveis!
  Com a severidade da criação, era de se admirar se ela não se desenvolvesse sabe lá Deus como.
  A preocupação dos vizinhos com a realidade dos moradores daquela casa era, preciso admitir, absurda. Havia entre uns o simples estranhamento com aquele modo de levar a vida. Entre outros, o desejo de, a qualquer custo, invadir a casa e assumir o comando; estes desejavam muito fazer isto, e discutiam a necessidade da imposição, justificando os direitos humanos. Havia, contudo, pessoas que desejavam mesmo viver naquela casa, e defendiam, com suas próprias vidas, os ideais daquele pai de família, senhor rigoroso.
  Um belo dia, foi descoberta uma comunicação possível entre os moradores de fora e os moradores de dentro da casa, coisa que nunca existira.
  Foi “a salvação da pátria” para a menina, que conseguiu fugir da casa, após dezenas e dezenas de tentativas vãs. Sei que foi bater perna pela vizinhança, fazer palanque em cada moradia, discursar a toda a gente contra o pai de família, senhor rigoroso.
  Assim ia sempre onde quer que fosse convidada, fazendo crítica à falta de liberdade de expressão daquela casa.
  Ela era a “menina messias de seu povo”, mas, se nem mesmo o Cristo agradou a todos, em todo o lugar por onde andou, a heroína recebeu de um lado aplauso, e de outro, vaia.
  Tudo bem. Estava mesmo era muito admirada com o terrível mundo novo, que no exílio de até então, realmente não existia.
  E um dia, muito cansada, filha pródiga que era, retornou para o lar. Se é verdade que o filho bom a casa torna, lá estava ela. E como descrever a sua recepção, se o segredo da casa, tudo escondia?
  Soube que enquanto ela esteve fora, os vizinhos a receberam com alguma falsidade; armadilhas e bolinhos de chuva com café preto. *

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